quarta-feira, outubro 20, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

8 Proudhon contra a Greve

Não se pode condenar a posição de Proudhon sobre a greve, sem tentar dar as razões profundas. A concepção proudhoniana diz respeito por sua vez, ao papel ao lugar e à natureza da greve no sistema capitalista por um lado, e à futura organização social por outro lado.
Por aquilo que diz respeito ao sistema existente, Proudhon pronunciou-se, com efeito, contra a greve, nas formas particulares que ela tomava na época. Proudhon criticou fortemente estas greves, pois estas tinham somente um carácter alimentar: aumento de salários, pois elas eram impulsionadas por alianças espontâneas, desprovidas de estruturação e porque não tinham objectivos estruturais.
A oposição de Proudhon à greve puramente salarial permanece também largamente conjuntural, quer dizer, sobretudo justificada por considerações de ordem humanitária. Na época onde a classe operária, começava a despontar, era mantida numa exploração sem piedade, onde os grevistas eram objecto das cargas policiais mais implacáveis, de medidas de encarceramento e de deportação severas, em que o direito, por conseguinte estava inteira-
mente consagrado ao serviço da classe pro-
prietária: interdição das coligações, das associações mesmo de assistência mútua, livrete obrigatório do operário, no momento em que os salários de miséria só autorizam uma vida aleatória, Proudhon pronuncia-se contra a greve desorganizada, sem contraforte organizacional, pois pensava que ela só podia enfraquecer a classe operária e reforçar a repressão patronal.
Proudhon preconizava a organização paralela ao sistema, de modo que após ter construído uma estru-
tura forte, com o suporte duma estratégia, criado uma situação, inscrita nas possibilidades acrescidas duma organização material poderosa, a relação das forças se tenham tornado suficientemente favoráveis para poder lançar-se numa contestação radical, com probabilidades razoáveis de sucesso.
Proudhon via a prática da greve alimentar, espontânea, limitada à profissão e à localidade, logo a um horizonte bastante restrito tanto do ponto de vista da implantação geográfica que da corporação a que diz respeito, como uma acção sem esperança e de natureza a enfraquecer, a diminuir as magras forças do proletariado. A sua preocupação primordial era de poupar à classe operária as decepções, os sofrimentos sem efeito notável sobre o sistema capitalista.
Com efeito a greve salarial permanece sem efeitos positivos a longo termo, pois o sistema capitalista obedece a automatismos cegos, que fazem com que os aumentos de salários conduzam somente a uma mudança de preços, a uma repercussão, pela classe proprietária, sobre o preço dos seus produtos dos aumentos dos seus preços de custo (em circunstância, o que os economistas liberais actuais chamam a inflacção pelos custos salariais).
Em compensação, no fundo, Proudhon preconiza o reforço da classe operária pela criação de associações, federadas numa estrutura de conjunto, de maneira a poder levar um combate permitindo mudar a natureza própria do sistema. Hoje em dia, no momento em que as greves se tornam, sob a impulsão da base e com o apoio de poderosas organizações sindicais (integrando e apoiando o movimento numa óptica geral e anticorporativista), cada vez mais de vocação estrutural: tempo de trabalho, cadências, vantagens a longo termo, organização do trabalho, contestação das relações hieráquicas...etc, o presente parece confirmar as posições de Proudhon, contra uma prática desorganizada sectorial e corporativista.
Mas estes pontos de vista só se tornaram realizáveis porque as organizações sindicais existem e a força que tiram da sua estruturação, da coordenação das lutas que elas permitem operar, instaurou uma transferência importante da relação de forças em favor do proletariado.
Se Proudhon estigmatizava o aventureirismo, aconselhava em maior grau paciência, preconizava começar por unir esforços a fim de consolidar a força da classe operária, e neste aspecto é preciso reconhecer, entretanto, que a estratégia que durante longo tempo propôs era inadequada à situação.
Com efeito, no momento em que era necessário estruturar a força de contestação, sem a qual nada é possível, força de resistência que tomou a forma dos nossos sindicatos actuais, Proudhon, pensou longamente poder passar directamente ao estádio da autogestão produtiva do salariato, no que poderíamos chamar cooperativas operárias, federando-se pouco a pouco. Teria sido necessário que os operários disposessem dos meios financeiros indispensáveis.
Daí a ideia de Proudhon do crédito gratuito (os interesses eram reduzidos às despesas de gestão do organismo financeiro) decidido pelo Banco do Povo. Proudhon acreditou durante bastante tempo, nesta ideia, que seria a solução da questão social, as cooperativas acabando pouco a pouco por se propagar e por absorver todo o sistema. Era a base da sua grande ideia do mutualismo, o Banco do Povo constituíndo a primeira sociedade mutualista. Esta primeira concepção, fortemente marcada de utopia, em consequência da falta de capitais e por causa da fraqueza do movimento operário da época, não encontrou nada a não ser insucessos. Em contrapartida, a ideia central de Proudhon: a necessidade duma autogestão operária, concretizou- -se com bastante sucesso dentro da autonomia do movimento sindical.
No plano da organização social futura (federalista e mutualista, o que é um sinónimo de autogestão na problemática proudhoniana), Proudhon rejeita também a greve, como contrária aos interesses gerais da sociedade. Com efeito, as orientações sociais, as mediações necessárias, tais como o sistema de preços, tendo sido aclaradas por negociações sucessivas, conduzidas da base para o topo e da circunferência para o centro, Proudhon não via porque é que grupos de pressão localizados e corporativistas se oporiam a uma decisão geral, pela qual todo o mundo tinha participado fazendo valer os seus próprios interesses.
Esta posição surpreende um pouco, estando apresentada a importância que Proudhon dá ao equilíbrio das relações de forças entre grupos sociais portadores de objectivos mais ou menos divergentes. Com efeito, toda a sua problemática do funcionamento social era orientada nesse sentido. No plano prático, Proudhon não viu que era absolutamente necessário que uma força de contestação organizada existisse para salvaguardar os interesses directos dos trabalhadores. Ainda esta reflexão, que nos é sugerida pela observação directa que pudemos fazer dos sistemas socialistas totalitários, onde a ausência de força autónoma reivindicativa apoiou a exploração operária por uma burocracia omnipotente. Numa sociedade onde o poder político seria realmente partilhado, da maneira como Proudhon nos propõe, não está seguro que esta organização independente da contestação operária e salarial seja inteiramente necessária. Em todo o caso, é melhor que ela exista no arranque das operações, com o risco de suprimi-la de seguida se o seu papel é menor, pois é mais fácil reduzi-la que constituí-la no caso em que o sistema social se tornasse, apesar de tudo, burocrático.
A posição proudhoniana, que nos pertence adaptar permanentemente às realidades do nosso tempo, punha em relevo o problema dos contra poderes, ou das contra instituições, que têm por função reunir novos grupos sociais, insatisfeitos do papel que lhe é reservado no sistema existente. Empregamos aqui o termo de instituições, pois estes grupos sociais, que tendem a modificar a relação de forças estabelecidas, não faltam, aos olhos de Proudhon, de segregar as suas próprias normas e valores colectivos no funcionamento social.
Finalmente, podemos perguntar, tendo diante de nós a imagem concreta da ineficiência das greves salariais, num sistema onde os proprietários podem repercutir a alta de preços sobre os preços de venda, onde a banca e o Estado, e o capitalismo financeiro, aproveitam-se da inflação ao reembolsar as poupanças a conta gotas e gracejando do credor. Se Marx não preconizasse sobretudo a greve para aumentar as contradições do sistema: dissenção entre capitalistas sobre a repartição da mais-valia, mobilização do proletariado, reforço da consciência de classe, incremento do capital fixo, logo baixa tendencial da taxa de luxo. Neste caso Marx e Proudhon teriam tido a mesma posição de fundo, e só se teriam oposto sobre a táctica a utilizar.

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